Candide
e Discours sur l'origine et les fondements de l´inegalité parmi les
hommes são obras de caráter filosófico em que é feita uma crítica à
injustiça social vigente no séc. XVIII. Candide é um romance de viagens
e de aprendizagem que convida o leitor a fazer uma reflexão sobre o problema da
religião e a sua influência no quotidiano. No Discours, Rousseau defende
que a causa da desigualdade entre os homens é a civilização, que considera a
causa de todos os males. Defende, portanto, o regresso ao estado natural do
homem.
Voltaire
trata, em Candide, a condição miserável do homem. A felicidade é-nos
retratada em Thunder-ten-tronckh, onde reina o amor (Pangloss/ Paquette e
Candide / Cunégonde); no Eldorado, onde existe harmonia, em oposição ao resto
do mundo; e no jardim de Propontide, onde o amor já está arruinado e onde as
personagens cultivam o jardim da sua quinta para não se sentirem entediadas.
Voltaire pretende mostrar que a felicidade nem
sempre é possível. Candide, iludido de início com a perspectiva de encontrar
um mundo melhor, acaba dececionado com o mundo, sem sentir mais, no final,
amor por Cunégonde. Voltaire mostra assim o seu ceticismo em relação aos
sentimentos e às emoções. Conclui-se que não vale a pena termos muitas ambições
nem amarmos excessivamente. Não podemos mudar o mundo de forma imediata, mas
apenas cuidar do nosso «petit jardin».
O mundo, um
caos de horrores para Voltaire, é-nos retratado através das catástrofes
naturais que atingem o homem. Exemplos disso são a tempestade e o tremor de
terra, causadores da morte de Jacques e da ruína de Lisboa, as epidemias de que
sofrem Pangloss e a velha, o
canibalismo, quando os vinte guardas do sultão de Constantinopla comeram dois
eunucos e cortaram as nádegas às mulheres para se alimentarem delas, e quando
Candide e Cacambo foram amarrados com
cordas para serem mortos. A cena de canibalismo pretende mostrar a
insensibilidade dos homens uns para com os outros, consequência da ignorância.
Voltaire deixa perpassar o seu anticlericalismo, na medida
em que considera a Igreja a origem de todo o mal: a Inquisição é-nos retratada
por Voltaire através da celebração de um auto de fé, em Lisboa, para que a
terra deixasse de tremer. Durante essa celebração, Candide foi açoitado, o
biscaio e os dois homens que não comeram
porco foram queimados e Pangloss foi enforcado por não acreditar no pecado
original e achar que tudo no mundo está bem e que não podia ser melhor. Esta é
a teoria que o filósofo defende ao longo de toda a obra e que Voltaire critica com
ironia. O otimismo deve ser combatido, não devemos resignar-nos ao mal.
Voltaire critica, assim, a intolerância
religiosa, o fanatismo da Igreja, o princípio da obscuridade e a superstição,
que ele nomeia de «l'infâme». A superstição é contra a humanidade, constitui um
obstáculo à felicidade humana.
O problema
das guerras é-nos retratado por Voltaire em várias cenas: a guerra da Holanda,
a guerra entre árabes e búlgaros, em que é evidente a devastação; as cinquenta guerras
civis das filhas do imperador Muley-Ismaël em Marrocos; a guerra em Azof contra
os russos; e o combate naval entre o navio holandês e o navio espanhol, que se
afundam. O autor pretende mostrar que a humanidade se está a degradar e que os
homens são os responsáveis pela sua própria infelicidade. É a ambição dos
príncipes pelas riquezas dos outros países que leva à destruição, à guerra e à morte.
Voltaire, enquanto defensor da liberdade do homem,
insurge-se contra a escravidão, que é condenada através da cena do escravo de
Surinam, sem uma mão e sem uma perna porque, segundo as suas próprias palavras,
é hábito dos patrões punir os seus escravos com estas mutilações, quando tentam
fugir. Voltaire considerava que a escravidão era contra a humanidade uma vez
que os homens são livres por natureza. Por outro lado a escravidão levava à
perda de valores morais dos indivíduos.
A maldade é outro mal censurado por Voltaire. Ele não
acredita que o homem é naturalmente bom. Podemos constatar isso ao longo da
obra: quando Candide é roubado em Surinam por um patrão que, supostamente, o ia
conduzir a Veneza; quando tem de pagar dez mil piastras pelo barulho que fez ao
bater à porta e outras tantas pela audiência; e quando um pensador, no teatro,
ao lado de Candide, põe defeitos à representação dos atores apesar de estes
estarem a desempenhar muito bem o seu papel.
A violência política também nos é mostrada através de
atentados, execuções e revoluções. Todo este ambiente de morte pretende mostrar
que o mal existe à face da terra e que muita gente morre sem necessidade. Por
outro lado, Voltaire mostra-se contra a forma de governo, que considera
despótica, pois tolera e encoraja todo este ambiente de degradação,
justificando-o com a providência divina.
Ao
mostrar-nos todo este cenário de devastação, Voltaire tem por objetivo fazer
os seus leitores refletir sobre o mal. Para ele, defensor da liberdade de
pensamento, cada sujeito devia ter o direito de pensar por si, de fazer uso da
razão. Todos os homens são dotados de capacidade crítica, faculdade de julgamento
e moral para poderem distinguir o que é justo do que é injusto. A moral é,
segundo Voltaire, independente da lei, de contratos e da religião. Ela existe
em todos os homens. São as ideias morais que constituem o conjunto de
conhecimentos necessários aos homens, todos os outros são desnecessários.
No artigo Discours sur l'origine et les fondements de
l'inegalité parmi les hommes, Rousseau aborda o problema da desigualdade
entre os homens, questionado no séc XVIII pelos filósofos, e que ele considera
ser uma consequência da civilização.
Rousseau acredita que o homem, antes de se ter
estabelecido a sociedade, era originalmente bom e que o mal surgiu quando a
natureza foi submetida à lei. O autor do artigo considera que seríamos muito
mais felizes no estado natural, pois evitávamos muito mal. Para ele é a
civilização que traz as doenças. No estado natural, só teríamos como moléstias
as feridas e a velhice. Defende ainda que o estado natural é o mais próprio à
paz e, portanto, o mais conveniente ao género humano.
Segundo Rousseau, não é o freio da lei, mas a acalmia das
paixões e o desconhecimento do vício que impedem os homens de fazer mal: o
homem no estado primitivo tem bons sentimentos, como a piedade, e os instintos
são bons. Rousseau coloca mesmo a questão se a desordem e os crimes não
surgiram com as leis, que pretendiam conter a violência das paixões.
O autor acaba a primeira parte do artigo defendendo que,
no estado natural, não é tão propícia a desigualdade como no estado civilizado:
no homem civilizado há mais diferenças a nível da cultura que não existiriam no
estado selvagem e, por outro lado, há também a servidão, desconhecida pelo
homem natural.
A segunda parte do artigo é dedicada às possíveis causas
da desigualdade entre os homens. Segundo o autor, ela começou quando surgiu a
ideia de propriedade. Os homens começaram a guerrear-se para se apoderarem das
cabanas que construíam para se abrigarem. As cabanas tornaram-se, assim, um
modo de distinção das famílias.
Quando se começaram a criar ideias de mérito e de beleza
e a formar sentimentos de preferência, surgiu a discórdia. Nasceram a vaidade e
o desprezo, a inveja e a vergonha, surgiu a ideia de consideração e, como
consequência, surgiu a vingança e assim os homens tornaram-se cruéis.
Com a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e
surgiu a escravidão e a miséria. O homem, que era livre e independente, foi
sujeitado à natureza e aos seus semelhantes. Foi decidido entre os homens que
se criariam leis e se protegeriam e defenderiam os membros da associação, de
modo a criar harmonia. Rousseau considera que foram as leis que destruíram a
liberdade natural do homem ao fixarem a lei da propriedade e da desigualdade.
Rousseau considera que foi uma grande perda o homem ter
renunciado ao maior dos bens que pode ter, a liberdade. Afirma que o homem no
estado natural prefere a liberdade à sujeição tranquilizante do homem
civilizado.
Segundo Rousseau, o governo é de natureza ilegítima
porque consiste na lei do mais forte, o poder é arbitrário, há corrupção. Por
outro lado, o poder soberano, que é sustentado pela vontade divina, intervém
para tirar aos sujeitos o direito de dispor. Os cidadãos foram, assim,
sacrificados à felicidade do Estado.
Voltaire e Rousseau diferem em vários aspetos: Voltaire,
em Candide, dá a conhecer o mal, que crê vir sobretudo da Igreja. É ela
que está na origem da guerra, da injustiça social e a responsável pelo cenário
devastador descrito na obra. Por outro lado, a Igreja também condena as paixões
e o amor, que Voltaire considera essencial à condição humana como consolo dos
males que existem na terra. Rousseau
considera que o mal está, não na Igreja, mas nas leis que afastam o homem da
sua natureza, que o fazem viver fora das suas emoções, que o corrompem. Voltaire valoriza a razão enquanto que Rousseau atribui
mais valor ao sentimento, ao qual dá a primazia. Segundo Voltaire é preciso
iluminar os espíritos dos homens para combater o fanatismo e a intolerância
religiosa. Rousseau pensa que é necessário voltar ao estado natural e valorizar
o sentimento para que haja felicidade.
Concluindo, estes dois filósofos debatem-se contra a
tirania do governo, que consideram despótico, e defendem uma maior justiça
social em que este respeite a vontade da nação, em que haja liberdade e igualdade
entre os homens.
Bibliografia
GROETHUYSEN, Bernard, Philosophie de la Révolution Française
précédé de Montesquieu, Gallimard, Paris, Outubro, 1992.
ROUSSEAU, Jean-Jacques, Du Contrat Social, Écrits politiques, vol. III, Gallimard, s/l, 1964.
VOLTAIRE, Candide,
Classiques Bordas, s/l, Abril, 2003.