Irmão
de D. Catarina Clark e filho de Charles William Clark, Roberto Clark, de 37
anos de idade, era «alto, espadaúdo», de «sobrancelhas ruivas, debaixo das
quais espreitavam dois olhinhos sem cor precisa» (Cap. IX, p.107), de «olhos
azulados» e «gordinho».
Tendo vivido em Inglaterra desde que
emigrara da Horta aos 17 anos, e onde trabalhava como empregado num banco,
Roberto desenvolvera um caráter calmo e moderado, ordeiro e conciliador,
prático e despretensioso. Era um homem solteiro, meio
açoreano, meio britânico, culto, músico e desportista. De índole pachorrento e
sério, estava sempre fumando o seu cachimbo.
O ambiente soturno do casarão do pai
não agradava a Roberto, que, para animar o velho Clark, pensara em dar um baile
para os amigos e parentes, os quais não via há anos. Decidiu-se que a festa
seria no Granel.
Roberto mostra-se participativo e
colaborador ao ajudar na arrumação do Granel. Na noite da festa, Roberto revela
os seus conhecimentos musicais ao condescender a tocar uma ária de Haendel, Nos Bosques Aprazíveis. Ao observar a
imagem de sua sobrinha Margarida, refletida no espelho fusco do Granel, com o
vestido de baile da avó Margarida Terra, Roberto assume um «olhar paternal e
impassível» (Cap. X, p.116). Roberto «media o salão de largo a largo» (Cap. X,
p.116). Muito atento ao que o rodeia, absorve-se na conversa sobre a
hereditariedade de Margarida. Vêm-lhe à lembrança recordações de sua mãe, da
vida que levou, fechada em casa, quase sem sair à rua, privada da vida social.
Roberto gostava de afetar uma certa
indiferença pelas coisas do espírito, mas era um homem inteligente, culto,
muito dado aos livros. De Londres trouxera o conhecimento enciclopédico, a
informação das coleções práticas, das magazines. Lia sobretudo romances,
literatura de selva e de navios, tendo trazido para a Horta metade da sua mala
com livros, os quais Margarida devorara um pouco.
Possuindo conhecimentos, Roberto
sabia em que condições se processava o contágio da peste que atingira
enormemente a cidade da Horta «Mas Roberto insistia que não havia contágio da
peste senão ao pé de doentes ou tocando-se nas roupas infetadas» (Cap. XI,
p.123). Tinha um sentido muito prático: face à peste ou se fazia a vida
habitual ou então desertava-se a cidade. Não era a favor de fechar a gente nova
em casa, alimentando o terror.
Ao contrário de Diogo Dulmo, Roberto
Clark chega à cidade com fama de rico, sendo estimado por todos «O Roberto
chegou com fama de rico. É tão estimado!». Sempre responsável para com o
pagamento das dívidas, difere muito em relação a Diogo Dulmo, arruinado, sem
dinheiro, endividado. É por ser rico que Diogo Dulmo tenta persuadir a filha a
casar-se com o tio, Roberto Clark, para que os bens fiquem em família «Escuta o
pai: o tio Roberto vem aí (...). Ele é um rapaz sério, o que não acontece a
todos; sim, porque uma hora cai a casa...entendes?(...) Se ele te agrada,
deixa...casa! que fica tudo em família...» (Cap. IV, p. 74).
Roberto é uma personagem propensa à
distração, de temperamento fechado, misterioso e enigmático, assumindo
frequentemente «ares de mistério» (Cap. XIV, p.145).
O seu feitio é tanto doce como
brusco, reagindo às notícias com fervor, nomeadamente quando recebe uma carta
de Marr sobre uma possibilidade de emprego para Margarida, em Inglaterra.
De temperamento solitário, o tio
Roberto gosta de se refugiar no seu canto, sentindo uma grande tristeza em
relação à situação financeira de Diogo Dulmo «Roberto fechou-se no seu quarto
(...) Uma grande tristeza tomava-lhe os gestos hesitantes, o olhar como que
ausente» (Cap. XXV, p. 233)
Aquando da fuga de Pedro do colégio,
em Lisboa, Roberto mostra-se apaziguador e pacífico ao conter as iras de Diogo
Dulmo face ao seu filho, com um sorriso e a mão no ombro do sobrinho.
Ao regressar à Horta, devido ao
estado de saúde do pai, Roberto começou a desenvolver um bom relacionamento com
Margarida, sua sobrinha, e protagonista de Mau
Tempo no Canal. O tio Roberto mostra-se generoso para com ela quando se
propõe a ajudar no pagamento de um novo cavalo para o lugar da Jóia «Com o
dobro do dinheiro da Jóia arranja-se um bom cavalo. Eu ponho o resto. É o meu
presente de anos» (Cap. IX, p.107).
Roberto oferece oportunidades e
soluções tanto para os problemas de Pedro, ao propor levá-lo para a City e empregá-lo lá, «Roberto então falou no vago
projeto de levar Pedro consigo, e empregá-lo na City. (...) metia-o uns tempos
só com rapaziada de criket e camping; fazia-o gente» (Cap. IX, p.109), como
para a sobrinha, à qual propôs arranjar emprego em Kensington numa clínica de
Marr, como enfermeira, ou secretária, ou ainda ajudante da regente «O Marr tem
a clínica em Kensington; está sempre a admitir enfermeiras, raparigas de
sociedade. E mesmo que fosse no escritório (...) Ias para lá como ajudante da
regente; fazias as honras da clínica...» (Cap. XIV, p.147).
Há um contraste a nível de
personalidade entre o tio Roberto e a sua sobrinha Margarida. «Os hábitos dela,
a sua desenvoltura, tinham-no conquistado» (Cap. IX, p.110). Margarida
pertencia a «um mundo extenso e difícil» (Cap. IX, p.110). Roberto nutre por
ela sentimentos de admiração. A presença de Margarida enchia o tio, apesar de
serem de temperamentos diferentes.
Roberto assemelhava-se a Mary Low, uma amiga
de Inglaterra, a quem estava ligado pelos mesmos gostos «e até pela sede de
silêncio e de acordo, que era o único excesso ou desmando do seu coração» (Cap.
IX, p.110).
Roberto tinha para com Margarida uma
doçura grave e leal «(...) curvava-se sobre ela com uma doçura grave; os seus
olhos tinham um brilho penetrante e leal” (Cap. XIX, p.146). A sua relação com
Margarida é muito próxima, como que tenta ser o seu confidente, querendo
ajudá-la nos seus problemas, dando-lhe o seu apoio moral, a sua solidariedade e a sua amizade «... E em casa do
Warren; não se tirava de ao pé de ti. Porque é que não hás-de ser franca?...Então
não sou teu amigo?» (Cap. XIV, p.146)
Roberto é a personagem que mais
proporciona à sobrinha momentos de evasão e libertação por ela desejados,
nomeadamente através do tempo que passam juntos a andar a cavalo e dos momentos
dedicados à navegação.
Margarida reconhece no tio a amizade
e dedicação que ele lhe proporciona, afirmando que ele a enche de mimos e
presentes para além de a ensinar a andar a cavalo «Não é só a cavalo; é em tudo!
Enche-me de mimos e presentes».(Cap. X, p.117).
A preocupação que Roberto tinha para
com a sobrinha levou-o a tomar a decisão de partir para Inglaterra sem dizer
nada, para que a sobrinha pudesse optar por André Barreto, deixando-o
associar-se à firma.
Porém, sem que tenha partido, ocorre
a sua morte trágica, na casa da Pedra da Burra, devido a um contágio de peste
provocada pela pulga de um rato, talvez no Granel «O tio Roberto falecera nessa
madrugada, de peste, na casa da Pedra da Burra (...) Viera com tenção de passar
uma noite nas Vinhas; contagiara-se não se sabia bem onde nem como: talvez no
Granel, de um rato» (Cap. XXXVI, p. 318).
Por tudo isto Roberto Clark é, sem
dúvida, uma personagem de relevo na obra Mau
Tempo no Canal, onde entra e se mantém até à sua morte, quando é vitimado
pela peste.
Bibliografia:
Vitorino
Nemésio, Mau Tempo no Canal, Obras
completas, Vol. VIII, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Maio 1994.
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