segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Análise do Soneto LVI, de Francisco de Rioja (1583-1659)

                      SONETO LVI


      Prende sutil metal entre la seda
que el pelo envuelve y ciñe ilustremente,
el rico lazo que de excelsa frente
sobre el puro alabastro en punta queda;
     o prende la vistosa pompa y rueda
del traslúcido velo refulgente
debajo el cuello tierno y floreciente,
en quien o ni el pesar ni el tiempo pueda;
     que en mí será tu aguda punta ociosa,
y de nuevo herir o dar favores
no puede outra virtud en ti escondida,
     mientras hay viva nieve y blanda rosa,
y en desmayados ojos resplandores
árbitros de la muerte y de la vida.

            Neste belíssimo soneto é evidente a mestria do autor no que respeita ao trabalho do verso e ao depuramento da linguagem. Perfeito formalmente, em versos decassilábicos, rima perfeita e aguda, esta composição apresenta, por meio de uma estrutura complexa, a figura de uma mulher que se assemelha em tudo à mulher petrarquista.
         A figura central deste soneto possui as caraterísticas de uma mulher ideal. As suas feições não são fortemente individualizadas. O retrato que aqui se delineia é o da mulher em geral, como que a mais nobre abstração da beleza feminina.
          Esta mulher é perfeita na sua beleza à maneira de Petrarca: a sua face é «excelsa», a sua pele branca rosada, (se não, vejamos a metáfora «puro alabastro», ou ainda «viva nieve»), a sua boca, pela cor vermelha comparada a uma rosa, é «blanda rosa», os seus olhos são de cor clara e de grande atrativo: «desmayados ojos resplandores». 
Também sobressai a sua graça, que cativa o sujeito poético e que, neste soneto, nos é sugerida por meio de adjetivos ou advérbios encarecedores. Assim, é graciosa a sua imagem com o cabelo apanhado num rico laço: «la seda / que el pelo envuelve y ciñe ilustremente», o aspeto deslumbrante que se associa à aura divina: «la vistosa pompa», «traslúcido velo refulgente», a ternura que nos é sugerida através da sinédoque «cuello tierno y floreciente.» A beleza do seu colo mantém-se inalterada apesar do sofrimento e do tempo que passa e que, supostamente, deixaria marcas: «el cuello tierno y floreciente, / en quien o ni el pesar ni el tiempo pueda». O elemento feminino conserva, deste modo, a sua beleza e juventude.
            É de notar o forte impressionismo da linguagem de Rioja neste soneto que, por meio de metáforas, nos apresenta um quadro bastante pictórico da mulher amada. O aspecto visual é muito marcado nesta composição. O retrato da mulher amada é-nos dado através de fortes impressões visuais: o laço que prende os cabelos loiros do elemento feminino: «Prende sutil metal [...] el rico lazo que de excelsa frente / sobre el puro alabastro en punta queda». De notar o pormenor com que é descrito o modo como o laço se encontra na cabeça da figura feminina. Há toda uma riqueza de pormenores descritivos que conduz à visualização da imagem: «el rico lazo que de excelsa frente sobre el puro alabastro en punta queda;»
            Na segunda quadra, é-nos descrito o laço que se prolonga para além do colo da figura feminina: «Y rueda [...] debajo el cuello tierno y floreciente,» Temos então uma imagem visual riquíssima, pormenorizadamente descrita. A subjetividade não está ausente do poema, pois a imagem da mulher amada é-nos sugerida por meio de impressões sensoriais fortemente visuais: “vistosa pompa”, “velo refulgente”, «cuello tierno y floreciente,», «ojos resplandores».
            O amor que o sujeito poético sente pela mulher é um amor puro, que procura libertar-se da mácula da sensualidade como meio de ascender à contemplação divina. A imagem desta mulher é quase divina, envolve-a uma certa aura, como se de uma deusa se tratasse. Por outro lado, o véu também pode significar uma barreira que separa o homem da mulher amada que se oculta por detrás do véu, o qual, por ser translúcido, deixa passar a luz mas não permite ver os contornos da imagem. A mulher está, assim, envolta num certo ar de mistério: «traslúcido velo refulgente.»
          Importante é também determo-nos sobre a expressão «tu aguda punta ociosa», «tu» este que se refere ao elemento feminino. Esta aguda ponta retoma a ponta do laço do v. 4, significando, porém, aqui o poder de sedução, uma como que flecha que atinge quem se deixa seduzir e que é, neste caso, o sujeito poético: «que en mi será tu aguda punta ociosa». É feita então uma analogia entre este poder de sedução e a ponta do laço que, terminando em bico, é comparado à capacidade de seduzir, que é penetrante.
            Este poder de sedução do elemento feminino sobre o elemento masculino que dá a voz no poema, provém dos olhos da dama que constituem um atrativo e são a fonte de sedução desta mulher. Como é habitual desde a Idade Média, os olhos possuem uma grande valorização na lírica amorosa, surgem aqui como uma metáfora. É pelo olhar que ela seduz: «que en mi será tu aguda punta ociosa [...] y en desmayados ojos resplandores». O olhar é o reflexo, o espelho da alma, transmite o poder de sedução.
A forma do verbo «ser» não tem aqui o mesmo significado que a forma do mesmo verbo implícita no v. 13. No primeiro caso, a expressão «en mi será» significa que o sujeito poético é o alvo da capacidade de sedução desta mulher, aparece-nos com o sentido de «ter efeito». No v. 13 a forma verbal implícita «será» surge-nos semanticamente como o lugar de proveniência, a fonte. Por outro lado, estes olhos têm um grande poder de atuação sobre o sujeito poético, eles determinam sobre a vida ou a morte deste: «y en desmayados ojos resplandores / árbitros de la muerte y de la vida». Os olhos claros e brilhantes da mulher amada determinam a esperança ou a ilusão do sujeito poético (aqui homem apaixonado) em relação a ser ou não correspondido no amor. A ponta ociosa aqui mencionada e que retoma a ponta do laço por um processo de analogia, pode ser comparada à flecha de Cupido que pode feri-lo (atraí-lo) ou então corresponder-lhe no amor. Mais nenhuma outra virtude que possa existir nela pode desalentá-lo ou dar-lhe esperança. No soneto XII de Garcilaso também a mulher nos é apresentada como possuidora de virtudes que se opõem: ela é fonte de candura e ternura, mas também a mulher fatal que guarda distância e impõe respeito.
A relação de superioridade desta dama face ao sujeito poético mostra-se no facto de ele estar completamente dependente das ações desta mulher que o domina e que podem ser-lhe benéficas ou nocivas: «y de nuevo herir o dar favores / no pueda outra virtud en ti escondida;». Se ainda há aqui alguma esperança em ser correspondido amorosamente, no soneto LIV de Rioja não há nenhuma. A mulher amada suscita nele a chama ardente que ele procura em vão apagar.
         Salienta-se o engenho do poeta que se reflete numa composição de estrutura complexa como esta, que pouco tem de transparente. O soneto inicia-se com uma forma verbal, «Prende», seguida do sujeito «sutil metal», e de complementos: «entre la seda / que el pelo envuelve y ciñe ilustremente», só aparecendo depois o objeto direto «el rico lazo». Verificamos assim que há uma inversão do sujeito e da ordem habitual das frases. A inclusão de orações que funcionam como complemento é uma constante ao longo do texto, facto que dificulta enormemente a compreensão do soneto, ao mesmo tempo que lhe confere um certo ar de artifício. Temos então várias orações intercaladas que enriquecem o texto e ao mesmo tempo ofuscam a compreensão: «que el pelo envuelve y ciñe ilustremente», que se refere à seda do laço da mulher amada; «que de excelsa frente / sobre el puro alabastro en punta queda;» referente ao laço; «del traslúcido velo refulgente», «en quien o ni el pesar ni el tiempo pueda;» referente ao pescoço, «mientras hay viva nieve y blanda rosa,».
          Neste soneto torna-se evidente a preocupação com a beleza da linguagem, a qual é testemunho de um grau de perfeição e refinamento que se comprovam pela utilização de termos encarecedores que conferem nobreza à figura aqui representada. Temos então a presença de adjetivos: «sutil metal», «excelsa frente» e de um advérbio «ilustremente» para designar a nobreza do aspeto da mulher amada com o cabelo apanhado com um laço. A linguagem com que este retrato é feito é claramente positiva e enobrecedora.
          Podemos concluir que esta composição, de influência marcadamente petrarquista, reflete um trabalho de grande mestria que confere uma enorme beleza ao soneto.

Bibliografia
 -CHIAPPINI, Caetano, Fernando de Herrera y la Escuela Sevillana, Taurus, Madrid, 1985.
-Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXI, Editorial Enciclopédia, Limitada, Lisboa, s/d.

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